sábado, 28 de agosto de 2010

A cafeteria

Estava frio e chovendo e eu entrei em uma cafeteria para me aquecer. Fazia tanto tempo que não passava por aquelas ruas que tudo agora parecia diferente, com novas lojas e novas pessoas. Pedi um chocolate quente e me sentei perto da janela para observar o lado de fora.
Eu costumava andar sempre por ali. "Naquele ponto de ônibus logo à frente era onde eu descia para trabalhar no meu primeiro emprego. Dois anos depois, trabalhei numa outra rua, mais para baixo..."
Enquanto divagava com o rosto quase colado no vidro, a garçonete colocou a xícara em minha mesa, sem que eu sequer percebesse. Fiz um movimento brusco para tirar o cachecol que estava em meu pescoço e derrubei a xícara e o chocolate quente todo no chão. Fiquei envergonhada, mas a garçonete me desculpou e trouxe outro chocolate. Voltei à me concentrar na rua, só que agora um pouco mais atenta ao meu redor.
Foi então que ele passou do outro lado da rua, vestindo casaco e chapéu, como eu nunca havia visto. Por um momento, o chocolate parecia frio e o ambiente extremamente quente.
Eu não queria vê-lo, não esperava. Também não queria que ele me visse. Sabia que se ele me visse, entraria na cafeteria para conversar, e eu não queria. Eu não sentia mais nada por ele. Nem mesmo me lembrava como era sua voz. Não sabia mais nada de sua vida, nem ao menos me lembrava os motivos que me levaram a deixá-lo. Já havia se passado tanto tempo...
Foi inevitável. Ele me viu. Sorriu e atravessou a rua. "E agora?" - pensei. "Sorrio de volta? Faço pouco caso? Finjo que não vi? Finjo atender o celular e saio correndo?". Enquanto me decidia, fiquei imóvel e sem expressão. Quando percebi, ele já estava do lado de dentro da porta, tirando o chapéu.
Ele olhou para a garçonete que passava pano no chão e depois sorriu para mim, balançando levemente a cabeça num gesto que dizia "já entendi tudo".
- Quanto tempo! - ele realmente veio falar comigo.
- É...
Não queria falar com ele. Eu queria que ele sumisse. Alguma coisa nele me irritava muito, mas eu nem me lembrava mais.
Ele insistiu em conversar, falando de seus empreendimentos e de sua família. Eu evitei falar sobre mim, porque na verdade eu queria ir embora. Assim que terminei meu chocolate, me levantei.
Foi então que ele disse:
- Eu nunca mais fui feliz com ninguém como fui com você!
Ele disse exatamente o que eu não queria escutar. Ele fez exatamente tudo o que eu não queria que ele fizesse. Abri a boca, para responder-lhe um palavrão. Fechei. Coloquei meu cachecol dentro da bolsa, olhei para ele e disse:
- Eu imagino... Mas isso não é problema meu.
- Será que eu posso te ligar qualquer dia desses?
Só balancei a cabeça, respondendo que não e saí da mesa.
De repente me lembrei o motivo que me fez deixá-lo. Ele subestima meus sentimentos e minha vida. Ele desperta em mim o que há de pior: minha prepotência, minha arrogância; qualquer artifício de defesa que eu tenha. Faz com que eu fique brava comigo mesma.
A chuva nem parecia mais tão fria; ao contrário, estava mais aconchegante do que a cafeteria. Todas aquelas ruas passaram a me incomodar e eu comecei a andar rápido.
Meu celular tocou. De repente, tudo estava bem novamente.