quinta-feira, 5 de maio de 2011

Aos 12

Ele era um japonês, filho da dona da papelaria. Era do tipo de menino encapetado, vivia andando com os piores alunos do colégio e estava sempre levando advertência. Uma vez, de repente, ele começou a mexer comigo, pegou meu estojo e ficou jogando para cima sem me deixar pegar... eu era bem baixinha. Não gostava dele desde aquele dia... menino abusado! Nem me conhecia...
No ano seguinte, ao entrar na minha sala de aula, dei de cara com ele. Havia repetido de ano, agora iria estudar comigo. Odiei. Tinha que passar a monitorar meus estojos, e era certeza que ele iria implicar comigo, pois era sempre assim no colégio naquela época; quando alguma coisa era ruim ou chata para mim, era só o que me acontecia...
Ainda por cima, eu era a melhor amiga da irmã do babaca do melhor amigo dele, e a minha prima trabalhava na loja da mãe dele, então não tinha como correr.

Com o passar dos dias, notei ele bem quieto, introvertido. Claro, estava longe dos amigos idiotas dele! Ele ficava brincando de rodar a caneta entre os dedos o tempo todo, ouvia walkman e mal abria a boca. Eu ainda me sentia incomodada com a presença dele.

Certo dia, ele sentou no meu lugar - que sempre foi a última carteira, no canto da sala. Abusado de novo! Minha amiga olhou para mim, como quem diz "e aí?" e eu sentei na carteira da frente. Ele havia comprado uma briga comigo agora! Eu estava pronta para qualquer que fosse o momento em que ele iria me irritar.

Ele me cutucou nas costas, mas apenas perguntou se eu iria usar a blusa do agasalho que estava no encosto da minha carteira. Eu disse que não e ele me pediu para deixá-lo usar. Eu entreguei e ele enrolou e deitou sobre ela, e dormiu. A manhã toda.
Na hora do intervalo, eu saiu com ela. Foi fumar. Eu fiquei brava, pois ia deixar cheiro na minha blusa. Mas não falei nada... fiquei meio sem reação. No final da aula, ele me entregou a blusa e eu a vesti.

O cheiro do perfume dele era tão forte que eu me lembro até hoje. Eu deixei a blusa pendurada na porta do guarda-roupa e o cheiro ficou no meu quarto inteiro...
No dia seguinte, ele pegou minha blusa sem nem pedir. Passou a fazer isso todos os dias, e eu não me importava mais. E meu quarto estava sempre com o cheiro dele...

Percebi que ele não fazia as tarefas, então comecei a virar pra trás e fazer junto com ele. Era muito inteligente, só que muito preguiçoso. Certa vez, na aula de educação física, estávamos jogando handebol na defesa e pulamos juntos para impedir a jogada do time adversário. Batemos a cabeça um no outro. Nessa hora eu vi estrelas de verdade, como nunca aconteceu antes e nunca mais aconteceu. Cabeçudo!

De repente, nos tornamos grandes amigos. Talvez existisse algum outro sentimento, mas eu era muito nova para entender. Minha prima me disse que uma amiga dele perguntou na loja se nós estávamos namorando e ele ficou envergonhado, riu e saiu.

Certa vez, ele levou um panfleto de um concurso de street dance que ele ia participar com o grupo de dança dele. Ele queria que eu fosse ver, mas eu não tinha idade. Eu tenho este panfleto até hoje.
Os dias foram passando e eu o ajudei a estudar, mas confesso que muitas vezes me dispersei das aulas. Ele me ensinou a jogar truco e a roubar na queda de braço. Alguns professores perceberam que ele estava sendo uma má influência para meus estudos, e vieram falar comigo, mas eu nem me importei. Ainda saí dando risada da cara deles.

Mas um dia, ele não foi para o colégio. Nem no outro. Era meio do ano ainda. Ele apareceu na grade do portão e ficou me olhando de longe. Quando o avistei, saí correndo em sua direção, ainda do lado de dentro. Ele me disse que não ia mais voltar para o colégio; sua mãe iria mandá-lo para o Japão...

Ele ainda está lá. Voltou algumas vezes, anos depois, mas eu só o vi uma vez e falei um "oi" de longe.

Essa talvez seja a história de amor mais pura e triste que eu tenho para contar. Ainda me toca quando penso. É ruim a sensação de perder alguém querido sem nem sequer abraçá-lo na despedida. E nem falar sobre o que eu realmente sentia, se é que eu sabia... Nem sempre uma história de amor precisa ser uma aventura para falar de amor...