segunda-feira, 19 de abril de 2010

Grandes amigos de breves momentos

Nem sempre nossos melhores amigos estão presentes nos momentos que mais precisamos. Geralmente, as rotinas diárias como trabalho, estudo, família, nos impedem de marcar encontros, ou mesmo uma ligação, para aquela conversa que se faz tão necessária. Porém, as vezes aparecem pessoas completamente novas, que nem sabemos o nome e que possivelmente nunca mais veremos, e cumprem esse papel. São nossos grandes amigos de breves momentos.
Não são pessoas que ficarão na nossas vidas, mas com certeza, iremos nos lembrar para sempre. Elas trazem as palavras certas, mesmo sem nos conhecer, e as vezes, sem nem saber dos nossos problemas, e só isso já melhora nosso dia. São pessoas comuns, com experiências comuns, mas que fazem uma intervenção da energia universal a nosso favor, como um ouvido às nossas preces.

Silêncio

Ontem, a noite foi muito densa. Não sei se foi errada, com certeza não foi certa. Eu devia ter feito tudo diferente. Mas não ontem... A muito tempo atrás.
Era como se tivesse um inseto na minha cabeça, zunindo muito alto. Eu não ouvia nada, não via nada. Havia um grito dentro de mim, e algo que desejava que todos ao meu redor sentissem o que eu sentia.
Hoje, está tudo em silêncio. Um silêncio tão pesado que eu posso até sentir na pele. Eu quase não ouço o ruído dos motores dos carros nas ruas, nem as risadas das pessoas. Está quieto.
É como se os gritos tivessem me deixado surda. Apenas ouço o barulho das folhas das árvores se batendo com o vento.
Não, acho que só imagino o som porque as vejo.
O silêncio é a manifestação física do vazio que ficou aqui dentro. Mas não me sinto mal. Nem bem. Não sinto nada além do silêncio. Que de alguma forma, também me trouxe paz.
Hoje, o silêncio não é ruim. É uma dádiva que nasceu do caos. É a poesia do nada. E para ser um bom poeta, não se pode ser feliz.

Avenida Paulista

A Avenida Paulista é a maior mentira do paulista.
É o cartão postal de uma cidade que só existe no imaginário do povo. É possível ver isso ao andar por ela em um dia comum.
Em dias comuns, a Paulista tem um cheiro peculiar, que mistura fumaça de automóvel, com churrasco e fritura, cigarro e perfumes caros. Ou falsificados. É difícil saber a diferença hoje em dia.
As vitrines das lojas estampam não só a moda do mundo, mas o quanto aquela realidade é distante de quem está por ali só de passagem. Numa plaquinha é possível ler: “Venha conhecer o INTERIOR da loja. Promoções 25% off”. E realmente, o número de pessoas paradas do lado de fora do vidro é sempre maior do que o das que estão do lado dentro.
Mas o mais belo da Paulista são os próprios paulistas. Eles se vestem e andam como se estivem mesmo num desfile de modas. Parece que a qualquer momento irão surgir câmeras da Globo para filmá-los e eles têm que estar prontos para isso! Até as vendedoras gastam seus salários nas lojas que trabalham, para poderem se vestir bem e desfilar nas calçadas na hora do almoço...
Mas não há como viver diferente na Paulista. Ser uma pessoa diferente é ser igual lá. Você é original, como todos! E todos com o seus cigarrinhos. Não há vida na paulista sem cigarro. O cigarro é a prolongação do corpo do ser-humano que habita a paulista. Aliás, que habita não... que circula.
A gente ouve pessoas que dizem “Eu AMO a Paulista”.
- Essas pessoas com certeza não trabalham na Paulista! Só se atreve a esse tipo de comentário quem freqüenta a Paulista esporadicamente. Seus centros culturais, os bares nos finais de semana, cinema, teatro, enfim... quem tem que pegar o metrô para ir e vir da Paulista todo dia, sabe que a vida é mais do que isso. Falo isso por conhecimento de causa. Quando trabalhei na Paulista as pessoas achavam que eu tinha todos os motivos para ser feliz lá... Feliz eu era, mas não por causa do lugar, nem das pessoas. Pelo contrário, na Paulista eu vi acontecer os fatos mais bizarros da minha vida.
- Todo dia, na hora do almoço, eu era abordada em média, por três pessoas diferentes me pedindo dinheiro. Óbvio! Todo mundo na Paulista tem dinheiro! É o melhor lugar para se pedir dinheiro. No dia em que cinco pessoas me abordaram no trajeto de ida e volta entre o metrô Brigadeiro e o quarteirão seguinte, eu fiquei muito brava! Uma delas era uma moça mais nova do que eu, mais bonita do que eu, com um bebê recém-nascido, pedindo dinheiro porque a criança estava com fome. Ela ia sufocar a criança, eu acho... já que nem dente tinha... O outro, um senhor alto e forte, saudável, só que com uma prótese no olho esquerdo. Ele enfiou a cara na minha frente e disse “Olha meu olho! Olha meu olho!” – eu quase bati nele! Dei um grito de susto e ele saiu pedindo pra deus me abençoar... Cara louco! Não é porque uma pessoa tem uma deficiência que as outras têm obrigação de dar dinheiro. Ao contrário, conheço cegos que trabalham, estudam em universidades e tantos outros com outras deficiências que vivem bem... a não ser que a deficiência da pessoa seja mesmo no caráter... mas também não justifica exigir dinheiro.
- A maior aventura ainda me esperava no final do dia. Todo mundo só fala do metrô da estação da Sé quando quer falar mal dos metrôs de São Paulo. Experimentem a linha verde na hora do rush... Mais pessoas, mais figuras, mais histórias... É cômico.
Então tem horas que a Paulista fica igual a qualquer outro pólo de comércio de São Paulo. O que diferencia a Paulista do Brás ou da 25 de Março? Talvez seja porque na Paulista as pessoas arranham um inglês, francês ou alemão, e nos outros lugares só se fala espanhol... e coreano... e árabe... Mas a essência é a mesma! E as chances da Globo ir filmar nesses outros lugares também são grandes... A diferença é que em outros lugares, ninguém está contando com isso e não se frustra, caso nunca aconteça.
É que na Paulista todo mundo quer ser estrela. Mesmo que seja por um segundo, num flerte saindo do metrô ou comprando um livro na Fnac. É comum de se ver entre homens e mulheres, o típico movimento de andar, olhar e jogar o cabelo, enquanto acende um cigarro, que diz “Eu transo muito e não ligo que as pessoas pensem que eu não presto. Se você quiser, talvez eu até tope, mas não espere que eu te ligue no dia seguinte!”. Há uma atmosfera de caça ao sexo na Paulista...
- É tudo fake. Enquanto essas pessoas desfilam pelas ruas querendo ser “gente rica e descolada”, a gente sabe que os grandes empresários, os chefes de verdade, nem conhecem a Paulista. Não percorrem cem metros nela que não seja entre os estacionamentos e os elevadores dos prédios.
- A Paulista é uma mentira... Ilude os corações das pessoas que nunca terão um espacinho nela... Estarão sempre de passagem.

O velho

Um senhor sentou-se à minha mesa no departamento de atendimento ao cliente. Aparentava ter uns 60 anos ou mais e possuía todos os cabelos brancos. Sua agilidade era um tanto debilitada, seu corpo magro e fraco estava em harmonia com a leve tremedeira em suas mãos e a voz rouca. Contudo, parecia não sofrer de grandes enfermidades. Apesar de aborrecido com a situação que estava prestes a me apresentar, entregou-me seus documentos de forma simpática. Perguntou se teria que escrever algo, explicando em seguida que não era bom nisso. Com olhar distante, confessou ter perdido diversos bons empregos na vida por não ter essa prática.Respondi-lhe que não havia nada o que escrever, apenas assinar alguns papéis. Enquanto falava, abri sua carteira de trabalho e deparei-me com a foto de um jovem de não mais do que dezesseis anos. Tamanha era sua postura e o distanciamento no olhar que me custou acreditar que se tratava daquele jovem, o frágil senhor sentado à minha frente.Por alguns segundos não consegui voltar minha atenção na continuação do meu trabalho. Fiquei a imaginar como e o que teria levado aquele homem a tal mudança, que não era apenas física, mas também, comportamental. O jovem da foto era uma pessoa segura, imaculável, disposto a todas as desventuras que lhe pudesse aparecer na vida, enquanto que o senhor, alí a reclamar-me seus direitos, mostrava-se frágil, numa posição encurralada. Para onde haverá se extraviado toda a sua arrogância juvenil? Quantas desilusão teria teria aquele rapaz passado até perder seu ar de majestade? Será este o fim de todos nós, jovem arrogantes e estúpidos?Todos acreditamos que somos eternos e preparados para tudo. Como será quando descobrirmos de verdade que somos frágeis corpos no espaço, dispostos aos efeitos de tudo o que existe?Quantos foram seus problemas, não posso sequer imaginar. Suas boas escolhas e más escolhas, em nada me diziam respeito. Fechei sua carteira, entreguei-lhe seus papéis e ele se despediu gentilmente. Meu trabalho com ele estava feito, mas de certa forma, aquela situação havia dispertado em mim de forma mais real o que todos sempre dizem: "ninguém é eterno"!