quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Uma longa estrada

Leu, respirou, leu novamente e sorriu.
Aquilo poderia doer antes, e com certeza iria, mas agora...

O tempo que passou tornou-se algo quase palpável, concreto, como uma barragem ou uma parede, ou uma longa estrada...
Mas com isso, a vida não se tornou mais fácil; apenas diferente.
É ilusão pensar em coisas mais simples antes ou depois. A coisas mudam, e somente.
E é claro nas vozes, nas roupas, no rosto, na canção que não canta mais, e naquela que nem se importa mais em ouvir...

Curiosamente, ninguém nunca se atreveu a perguntar o que sentia ainda.
A resposta teria sido outra pergunta: "O que se sente por alguém em que não se confia?"

quinta-feira, 2 de junho de 2011

...

E quando eu achar que posso gritar pra todo mundo, você irá me lembrar que na verdade não posso. Eu não tenho esse direito e ninguém irá me dar.
E quando eu cansar e for embora, vou deixar mais um pedaço pelo caminho, que não vou voltar para buscar.
E quando tudo for só uma lembrança, não vou tentar esquecer.
Sentir dói, esquecer dói mais ainda.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Aos 12

Ele era um japonês, filho da dona da papelaria. Era do tipo de menino encapetado, vivia andando com os piores alunos do colégio e estava sempre levando advertência. Uma vez, de repente, ele começou a mexer comigo, pegou meu estojo e ficou jogando para cima sem me deixar pegar... eu era bem baixinha. Não gostava dele desde aquele dia... menino abusado! Nem me conhecia...
No ano seguinte, ao entrar na minha sala de aula, dei de cara com ele. Havia repetido de ano, agora iria estudar comigo. Odiei. Tinha que passar a monitorar meus estojos, e era certeza que ele iria implicar comigo, pois era sempre assim no colégio naquela época; quando alguma coisa era ruim ou chata para mim, era só o que me acontecia...
Ainda por cima, eu era a melhor amiga da irmã do babaca do melhor amigo dele, e a minha prima trabalhava na loja da mãe dele, então não tinha como correr.

Com o passar dos dias, notei ele bem quieto, introvertido. Claro, estava longe dos amigos idiotas dele! Ele ficava brincando de rodar a caneta entre os dedos o tempo todo, ouvia walkman e mal abria a boca. Eu ainda me sentia incomodada com a presença dele.

Certo dia, ele sentou no meu lugar - que sempre foi a última carteira, no canto da sala. Abusado de novo! Minha amiga olhou para mim, como quem diz "e aí?" e eu sentei na carteira da frente. Ele havia comprado uma briga comigo agora! Eu estava pronta para qualquer que fosse o momento em que ele iria me irritar.

Ele me cutucou nas costas, mas apenas perguntou se eu iria usar a blusa do agasalho que estava no encosto da minha carteira. Eu disse que não e ele me pediu para deixá-lo usar. Eu entreguei e ele enrolou e deitou sobre ela, e dormiu. A manhã toda.
Na hora do intervalo, eu saiu com ela. Foi fumar. Eu fiquei brava, pois ia deixar cheiro na minha blusa. Mas não falei nada... fiquei meio sem reação. No final da aula, ele me entregou a blusa e eu a vesti.

O cheiro do perfume dele era tão forte que eu me lembro até hoje. Eu deixei a blusa pendurada na porta do guarda-roupa e o cheiro ficou no meu quarto inteiro...
No dia seguinte, ele pegou minha blusa sem nem pedir. Passou a fazer isso todos os dias, e eu não me importava mais. E meu quarto estava sempre com o cheiro dele...

Percebi que ele não fazia as tarefas, então comecei a virar pra trás e fazer junto com ele. Era muito inteligente, só que muito preguiçoso. Certa vez, na aula de educação física, estávamos jogando handebol na defesa e pulamos juntos para impedir a jogada do time adversário. Batemos a cabeça um no outro. Nessa hora eu vi estrelas de verdade, como nunca aconteceu antes e nunca mais aconteceu. Cabeçudo!

De repente, nos tornamos grandes amigos. Talvez existisse algum outro sentimento, mas eu era muito nova para entender. Minha prima me disse que uma amiga dele perguntou na loja se nós estávamos namorando e ele ficou envergonhado, riu e saiu.

Certa vez, ele levou um panfleto de um concurso de street dance que ele ia participar com o grupo de dança dele. Ele queria que eu fosse ver, mas eu não tinha idade. Eu tenho este panfleto até hoje.
Os dias foram passando e eu o ajudei a estudar, mas confesso que muitas vezes me dispersei das aulas. Ele me ensinou a jogar truco e a roubar na queda de braço. Alguns professores perceberam que ele estava sendo uma má influência para meus estudos, e vieram falar comigo, mas eu nem me importei. Ainda saí dando risada da cara deles.

Mas um dia, ele não foi para o colégio. Nem no outro. Era meio do ano ainda. Ele apareceu na grade do portão e ficou me olhando de longe. Quando o avistei, saí correndo em sua direção, ainda do lado de dentro. Ele me disse que não ia mais voltar para o colégio; sua mãe iria mandá-lo para o Japão...

Ele ainda está lá. Voltou algumas vezes, anos depois, mas eu só o vi uma vez e falei um "oi" de longe.

Essa talvez seja a história de amor mais pura e triste que eu tenho para contar. Ainda me toca quando penso. É ruim a sensação de perder alguém querido sem nem sequer abraçá-lo na despedida. E nem falar sobre o que eu realmente sentia, se é que eu sabia... Nem sempre uma história de amor precisa ser uma aventura para falar de amor...

sábado, 19 de fevereiro de 2011

O gnomo da cozinha

Barrigudinho, de barba branca e longa, o pequenino gnomo morava sozinho na cozinha. Ele deveria ter cerca de três centímentros no máximo, e se vestia com um tecidinho escuro, cuidadosamente costurado por ele mesmo, que parecia uma capa com capuz. Ele tinha diversas roupinhas, pois sempre que encontrava tecidos caídos pela casa, ele guardava e depois bolava um jeito de costurar. Também tinha sapatinhos de tecido amarrados nos pés.
Ele tinha tanta idade que não sabia especificar quando nasceu. Até porque, ele não possuía a sensação de tempo que os humanos possuem. Nem a memória que os humanos possuem. Ele só conseguia se lembrar de coisas suficientes para se preocupar por até uma semana, depois esquecia. Tinha uma leve impressão de alguns sentimentos, como saudades ou nostalgia, mas não fazia idéia do que viria a ser isso. No entanto, sobre tudo o que existia na natureza, possuia um conhecimento empírico. Animais, plantas, comida, ele não tinha dúvidas. E apesar de pequeno e velho, ele era muito forte e saudável.
Já fazia muito tempo que ele morava naquela cozinha, e não sabia como havia chegado lá. Também não se importava em saber; estar alí era algo concreto, o suficiente. Buscava alimentos nos armários, como pacotes de bolachas abertos e pães ou chocolates. Gostava de tomar groselha, só que para isso tinha que conseguir abrir a geladeira sozinho de madrugada, e era muito difícil.
O gato da casa era o único que o via, mas não dava a menor importância. Ele não o perseguia, mas pouco o ajudava. Raramente o gnomo ficava perto dele. Porém, uma vez, o gnomo subiu sobre o pêlo do gato, esperando que este o levasse para o próximo andar, quando a dona da casa o pegou no colo.
Ela era infinitamente maior que o gnomo, e isso o assustou. Ele entrou mais no pêlo do gato e ficou observando. Quando ela aproximou o seu rosto próximo à cabeça do gato, ele sentiu seu cheiro. Era bom.
Pela primeira vez, ele conseguiu vizualizar o que era um humano adulto. E não sentiu mais medo. Ele reconhecia crianças, porque essas facilmente o viam, e eram capaz de machucá-lo se ele não fugisse, mas adultos eram algo muito abstrato, principalmente por seu tamanho gigante e por nunca ficarem parados; saiam do seu campo de visão.
De repente, ele ficou curioso e, ainda segurando no gato, começou a se aproximar para tocá-la. Ela olhou nos olhos do gato, sorriu, e disse: "Eu amo você!"
O gnomo sentiu como se a frase fosse dita para ele. Ele ficou paralizado, olhando fixamente para ela, até que o gato foi para o chão. Nem percebeu quando caiu do pêlo dele. Ele estava encantado, por uma magia que não conhecia.
Depois deste dia, ficava horas observando ela dormir de madrugada, até que criava coragem e subia na cama, tocava seu rosto e deitava no seu travesseiro. Ás vezes dormia e acordava todo amassado, enrolado em seus cabelos, ou no meio da coberta, sem conseguir respirar direito.
Gostava de brincar de entrar embaixo do nariz dela, quando ela respirava mais fundo, tentando se equilibrar com a correnteza do vento. As vezes conversava com ela, contava histórias sobre a natureza, mas sabia que ela não escutava, que estava dormindo.
Ele pegava os brincos que ela mais gostava e trocava de lugar, escondia, só para que ela demorasse mais tempo para se arrumar quando ia sair. Ele entrava no seu armário e adorava sentir seu perfume nas roupas...
Por vezes ele a ouvia falar ao telefone com outra pessoa, um rapaz, que ele sabia ser muito querido por ela, e ficava enciumado. De noite ele a mordia, no braço ou nos dedos da mão, que virava uma coceirinha na pele. Do gato não sentia ciúmes; ele aproveitava seu pêlo para chegar perto dela durante o dia, enquanto ela ficava com ele no colo assistindo televisão.
E quando ela ficava triste e chorava, ele ficava desesperado... Não entendia porque caiam gotas dos seus olhos, mas queria fazer algo para evitar. Não conseguia falar com ela na hora, mas quando dormia, ele buscava algumas folhas de camomila dentro do armário, e colocava embaixo do travesseiro, para ela se acalmar.
Ela nunca soube o quanto era amada por aquela criaturinha da natureza. Mas era capaz de sentir. Alguns amores são belos pelo quanto são puros e verdadeiros, e não por serem uma aventura.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Gibsy

- Eu não precisava estar aqui...
- Não, não precisava. Por que veio?
- Não sei... achei que poderia ser interessante...
- E é?
- De certa forma...
- Está arrependida?
- Não. Só um pouco confusa...
- A nostalgia confunde, por não ser um sentimento bom, nem ruim. O que você vê?
- Pessoas...
- Quantas?
- Muitas...
- O que elas estão fazendo?
- Rindo... muito... e tocando umas nas outras o tempo todo...
- Como?
- Algumas estão escalando as paredes do corredor. Algumas se beijam do lado de fora. Algumas dançam no centro. Tem uma pessoa fumando na porta, com um violão...
- Você reconhece todas essas pessoas?
- Sim.
- E você? Você está aí?
- Estou.
- Onde?
- Lá em cima. Lá fora...
- O que está fazendo?
- Dançando com as mãos na cintura de outra pessoa.
- O que está tocando?
- Uma música latina. Nós dançamos e batemos palmas. Todos juntos...

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Um novo eu diante de ti

Um novo eu diante de ti
Faz de mim algo que não quero
Faz de meus sonhos meus defeitos
Contagia com teu desafeto o que em mim houve de melhor
E já não há

Traga de dentro de ti algo novo para mim
Uma nova vida
Um novo nome
Pois nada do que existiu um dia serve mais

Escrevo sem rimas e métrica
Sem coerência
Só para confundir

Dizer que te vi chorando novamente
Com essa simples sentença
Seria muito pouco

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Alívio da alma

Sempre acontece. Você se depara com um momento em que a resposta certa não vem à cabeça, falta o "insight", e só muito tempo depois pensa no que poderia ter dito.
Aí então, fica se remoendo, porque aquele momento não vai acontecer novamente e você nunca mais irá falar o que gostaria de ter dito naquela hora.
E isso vai te consumindo; você fica triste com a sua falta de capacidade, se sente derrotado, como se tivesse perdido uma guerra para sempre e assinado um termo de comprovação da sua incapacidade de raciocínio ou de fragilidade moral.
Na verdade, todo esse sentimento remoído é justificável: a satisfação de dar a resposta certa, na hora certa, para a pessoa certa e com a intensidade certa, é plena.
Simplesmente assim, plena. Resumidamente plena.
Pode-se comparar com a satisfação de marcar um gol para a seleção em final de copa do mundo. Ou com a sensação de orgasmos múltiplos, sincronizado com seu parceiro, que é o amor da sua vida desde a sua primeira infância. É a adrenalina gritando dentro de você: "mandou beeeeeem!".
E quando você perde a chance de ter este momento de êxtase, é com certeza frustrante. Ou pior que isso, é uma perda inestimável para toda a sua existência.
Isso já aconteceu muito comigo. Principalmente por ter uma linha de raciocínio sarcástica, beirando a crueldade, tenho medo de magoar as pessoas. E também, é claro, porque falta agilidade na resposta mesmo.
Mas hoje... só hoje... a inspiração surgiu... a coragem também... e eu vou dormir muito mais em paz!
E depois, vou contar para todo mundo, afinal, não é sempre que isso acontece!