sábado, 19 de fevereiro de 2011

O gnomo da cozinha

Barrigudinho, de barba branca e longa, o pequenino gnomo morava sozinho na cozinha. Ele deveria ter cerca de três centímentros no máximo, e se vestia com um tecidinho escuro, cuidadosamente costurado por ele mesmo, que parecia uma capa com capuz. Ele tinha diversas roupinhas, pois sempre que encontrava tecidos caídos pela casa, ele guardava e depois bolava um jeito de costurar. Também tinha sapatinhos de tecido amarrados nos pés.
Ele tinha tanta idade que não sabia especificar quando nasceu. Até porque, ele não possuía a sensação de tempo que os humanos possuem. Nem a memória que os humanos possuem. Ele só conseguia se lembrar de coisas suficientes para se preocupar por até uma semana, depois esquecia. Tinha uma leve impressão de alguns sentimentos, como saudades ou nostalgia, mas não fazia idéia do que viria a ser isso. No entanto, sobre tudo o que existia na natureza, possuia um conhecimento empírico. Animais, plantas, comida, ele não tinha dúvidas. E apesar de pequeno e velho, ele era muito forte e saudável.
Já fazia muito tempo que ele morava naquela cozinha, e não sabia como havia chegado lá. Também não se importava em saber; estar alí era algo concreto, o suficiente. Buscava alimentos nos armários, como pacotes de bolachas abertos e pães ou chocolates. Gostava de tomar groselha, só que para isso tinha que conseguir abrir a geladeira sozinho de madrugada, e era muito difícil.
O gato da casa era o único que o via, mas não dava a menor importância. Ele não o perseguia, mas pouco o ajudava. Raramente o gnomo ficava perto dele. Porém, uma vez, o gnomo subiu sobre o pêlo do gato, esperando que este o levasse para o próximo andar, quando a dona da casa o pegou no colo.
Ela era infinitamente maior que o gnomo, e isso o assustou. Ele entrou mais no pêlo do gato e ficou observando. Quando ela aproximou o seu rosto próximo à cabeça do gato, ele sentiu seu cheiro. Era bom.
Pela primeira vez, ele conseguiu vizualizar o que era um humano adulto. E não sentiu mais medo. Ele reconhecia crianças, porque essas facilmente o viam, e eram capaz de machucá-lo se ele não fugisse, mas adultos eram algo muito abstrato, principalmente por seu tamanho gigante e por nunca ficarem parados; saiam do seu campo de visão.
De repente, ele ficou curioso e, ainda segurando no gato, começou a se aproximar para tocá-la. Ela olhou nos olhos do gato, sorriu, e disse: "Eu amo você!"
O gnomo sentiu como se a frase fosse dita para ele. Ele ficou paralizado, olhando fixamente para ela, até que o gato foi para o chão. Nem percebeu quando caiu do pêlo dele. Ele estava encantado, por uma magia que não conhecia.
Depois deste dia, ficava horas observando ela dormir de madrugada, até que criava coragem e subia na cama, tocava seu rosto e deitava no seu travesseiro. Ás vezes dormia e acordava todo amassado, enrolado em seus cabelos, ou no meio da coberta, sem conseguir respirar direito.
Gostava de brincar de entrar embaixo do nariz dela, quando ela respirava mais fundo, tentando se equilibrar com a correnteza do vento. As vezes conversava com ela, contava histórias sobre a natureza, mas sabia que ela não escutava, que estava dormindo.
Ele pegava os brincos que ela mais gostava e trocava de lugar, escondia, só para que ela demorasse mais tempo para se arrumar quando ia sair. Ele entrava no seu armário e adorava sentir seu perfume nas roupas...
Por vezes ele a ouvia falar ao telefone com outra pessoa, um rapaz, que ele sabia ser muito querido por ela, e ficava enciumado. De noite ele a mordia, no braço ou nos dedos da mão, que virava uma coceirinha na pele. Do gato não sentia ciúmes; ele aproveitava seu pêlo para chegar perto dela durante o dia, enquanto ela ficava com ele no colo assistindo televisão.
E quando ela ficava triste e chorava, ele ficava desesperado... Não entendia porque caiam gotas dos seus olhos, mas queria fazer algo para evitar. Não conseguia falar com ela na hora, mas quando dormia, ele buscava algumas folhas de camomila dentro do armário, e colocava embaixo do travesseiro, para ela se acalmar.
Ela nunca soube o quanto era amada por aquela criaturinha da natureza. Mas era capaz de sentir. Alguns amores são belos pelo quanto são puros e verdadeiros, e não por serem uma aventura.

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